“As armas de baixa letalidade são um grande achado para se fazer na democracia o que se faz num estado de exceção. Mas ela é mais vil, porque usurpa nossos direitos sorrateiramente sob o manto da baixa ou não letalidade. Numa democracia, a priori,não se pode matar. Então eis a bala de borracha, que ressignifica o estado repressor, instala o medo nos movimentos sociais, escamoteia a violência contra aqueles que ousam desafiar alguns padrões estabelecidos” Marisa Fefferman.

Enquanto o destino de milhões de pessoas é decidido em salas fechadas por apenas alguns poucos “representantes”, a imensa maioria da população exige maior e mais efetiva participação política. Se apenas apertar um botão a cada quatro anos não é suficiente para o desejo de influenciar nos assuntos que dizem respeito a todos, há um lugar onde o povo pode exercer o inalienável direito de expressar sua urgência por autodeterminação e liberdade: a rua.

Espaço público por excelência, é lá que as questões de interesse coletivo podem ser debatidas e reivindicadas pelos diversos setores da sociedade que não são representados nas instâncias oficiais de poder.

No entanto, não é raro que, ao invés de ouvir as vozes que vêm das ruas, o Estado leve a elas seu lado mais ostensivamente cruel, a polícia militarizada. Em um país supostamente democrático, é com balas de borracha, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e outros aparatos – alguns criados para serem utilizados em guerras e outros até mesmo proibidos nelas – que são recebidos cidadãs e cidadãos que deveriam ser protegidos pelo poder estabelecido.

O mesmo expediente de dor e sofrimento é adotado contra aqueles que ocupam espaços em busca de moradia e dignidade. Nas reintegraçoes de posse, a truculência policial se faz presente de forma ainda mais opressora do que em manifestações. Os casos de Pinheirinho, em São José dos Campos, e Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, são exemplos claros.

A violência aplicada contra civis desarmados só pode levar a crer que os que ousam exercer o direito constitucional de expressão não são vistos com bons olhos pelo Estado. As bombas e outros armamentos ditos de baixa letalidade deixam clara a mensagem comunicada à população: os poderosos não querem ouví-la. O meio mais efetivo de calar os movimentos sociais é a sua criminalização, explicitada pela forma pelas quais são combatidos.

Igualmente clara é a resposta das ruas a tamanha repressão. O povo não só demonstra que não pretende desistir de lutar por direitos e maior participação política, mas também manifesta que não aceita mais ser submetido a armamentos que podem matar, causar males à saúde, traumatizar vidas, e cuja utilização é injustificável em uma democracia.

Nós do Coletivo Menos Letais, como parte da população que quer se expressar, lutamos pela proibição da utilização deste tipo de arma em manifestações sociais, despejos, e qualquer outra situação em que se ponha frente a frente civis desarmados e a polícia.

As armas de menor letalidade foram supostamente criadas com o objetivo de substituir a munição mais pesada nos casos em que a vida dos agentes de segurança ou de terceiros seja posta em risco. A defesa de propriedades públicas ou privadas e a insatisfação do poder estabelecido em relação às reivindicações por mudanças não podem servir de pretexto para que estes equipamentos sejam empregados.

A ausência de uma legislação clara a respeito de balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, armas de choque (também conhecidas como Taser), e outros equipamentos, além de permitir a entrada de novos armamentos cada vez mais absurdos, faz com que o rigor na sua utilização seja de critério único do policial. Esta situação abre brechas para o abuso do poder, a tortura, e limita os recursos que podem ser acionados quando se é vítima do uso excessivo da força.

Órgãos internacionais, tais quais a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Anistia Internacional, estabelecem recomendações claras, como o uso progressivo da força e a proporcionalidade da ação policial, nenhuma delas seguida pelos agentes de segurança brasileiros. Mesmo nos casos de repressão a delitos durante manifestações, o que se vê é que a polícia causa danos maiores do que os que tenta evitar.

No Brasil e no mundo, são inúmeros os exemplos de pessoas que morreram ou se feriram gravemente em decorrência da utilização de armamentos menos letais. Nascemos da urgência de interferir nesta lógica criminosa de atuação, uma vez que para haver transformação social, e para que o mundo se desenvolva de acordo com os princípios da democracia, a possibilidade de luta e a liberdade de expressão não podem ser violadas, e os direitos humanos de todos devem ser respeitados.

A regulamentação é o caminho.

Manifeste-se!

Menos Letais.