Artefatos foram usados nas manifestaçõe de junho; Ministério Público Federal abriu inquérito para investigar o caso
RIO – A Polícia Militar do Rio comprou da Condor S/A Indústria Química bombas de gás lacrimogêneo três vezes mais potentes do que o normalmente empregado pelas forças de segurança brasileiras. Muitas delas foram usadas para reprimir “vândalos infiltrados” na recente onda de manifestações, segundo oficiais da corporação.
No dia 2, o procurador da República Jaime Mitropoulos converteu o procedimento preparatório para apurar o caso em inquérito civil, depois de a fabricante informar que, desde 2012, vende para a PM fluminense artefatos com concentração de até 30% de ortoclorobenzalmalonitrilo, o lacrimogêneo.
Segundo o Exército, responsável por fiscalizar a produção e comercialização desse tipo de produto, as fábricas brasileiras produzem granadas com concentração aproximada de 10% da substância.
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) começou a investigar o caso no fim de junho, após denúncias de que a PM estava usando bombas mais potentes do que o usual. Na ocasião, oficiais do Batalhão de Choque disseram que alguns dos artefatos entregues à PM pela Condor seriam vendidos para Angola. O limite da concentração de gás lacrimogêneo permitida pelo país africano seria o dobro do usado no Brasil.
A última compra foi feita pela Secretaria Estadual de Segurança em 19 de junho para repor emergencialmente o estoque, que ficou praticamente zerado após a onda de protestos a partir de 6 de junho no Rio. No dia 17 daquele mês, uma manifestação pacífica que levou 100 mil pessoas à Avenida Rio Branco, no centro do Rio, terminou em pancadaria e depredação do prédio histórico da Assembleia Legislativa (Alerj). A PM usou dezenas de bombas de gás para dispersar a multidão. A compra, no valor de R$ 1,6 milhão, foi feita sem licitação.
Por causa dos protestos, o montante pago pelo governo do
Rio à Condor no primeiro semestre deste ano (R$ 2 milhões) já superava em 66% tudo o que foi gasto no ano passado (R$ 1,2 milhão), segundo levantamento feito no Sistema Integrado de Administração para Estados e Municípios (Siafem).
A Secretaria Estadual de Segurança informou que a questão deve ser respondida pela Polícia Militar. Procurada na manhã de quinta-feira, a PM informou na noite de sexta-feira que precisava de mais tempo para levantar todos os lotes de bombas adquiridos e responder às perguntas. Em nota, a Condor informou que ainda não foi notificada da investigação do MPF, “não tendo elementos para se pronunciar em razão disso”.
Procurada em junho pelo Estado, quando surgiram as primeiras suspeitas, a empresa afirmou que as bombas vendidas para a PM estavam em seu estoque “e poderiam ser vendidas para qualquer cliente”.